Na Figueira-da-Foz da minha infância, havia Robertos.
Dois ou três homens insignificantes, silenciosos e sem rosto, surgiam do nada, com
um biombo debaixo do braço, e ocultos detrás do seu pano róseo desbotado,
armavam-no no picadeiro, na esplanada, ou na areia da praia.
Ranchos de crianças acorriam, também não se sabe
de onde e sentavam-se, expectantes, em redor do teatro. A mim interessava-me sempre
mais espiar os actores nos bastidores. Mas os adultos mandavam-me sentar, e
ninguém se importava com a verdadeira história, a história insuspeita dos
actores escondidos que nos iludiam detrás do biombo fechado.
Os fantoches eram figuras de rosto encarquilhado e
queixo pontiagudo, de vozes barulhentas e assanhadas; a peça consistia de
brados, insultos e acabava invariavelmente à bofetada. A assistência
desinteressada, muda, não ria, nem sorria, quando muito murmurava. Crianças
molengas, mordiscavam pirolitos ou pinhoadas que amoleciam ao sol estival, como
se não assistissem a nada.
O pano caía, pondo fim às injúrias e estaladas;
reinava então um sossego constrangido. Um homem taciturno, engelhado como os
fantoches, vinha recolher dinheiro com um chapéu coçado. Magro, triste, sisudo,
acenava com a cabeça e murmurava um agradecimento, a voz enrouquecida nas
quezílias da peça.
As mães apressadas, quase aflitas, chamavam pelos
filhos, como se receassem que as figuras magras e miseráveis, contagiassem os
miúdos com alguma maleita ou os arrecadassem nas maletas com os fantoches.
Inamovível, fincava o
olhar no verdadeiro momento mágico do espectáculo: os homens franzinos, quase
inexistentes que lentamente, detrás do biombo, se desvaneciam nas ondas de calor
de Agosto.
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