Desprendimento é atenção, vigília. Desprendimento não
é resignação. É mais do que tolerar, não é fechar os olhos. Pelo contrário: é assentir,
receber, de olhos bem abertos e coração limpo; é acolhimento do que der e vier, e
não conformar-se amorfamente com o que é. É ver, tomar as coisas tal como são; é devotar-lhes
atenção, o que, literalmente, significa
ater-se às coisas; desprendimento é como
realismo.
Desprendimento exclui apropriação, implica acolher,
sem nos nos prendermos a nada; porque ao acolher algo, não se agarra, nem reclama,
não se exige nada. Acolher admite compreender? Para acolher, é preciso
esquecer?
O desprendimento exclui preocupação. Senão, como
acolher? como receber, se nos preocupamos? O desprendimento não se pre-ocupa porque não ante-cipa. O
desprendimento, aceita, ocupa-se das coisas quando elas se dão. Desprendimento
não é frieza, não é desinteresse, nem descuido, não é indiferença. Desprendimento
cuida do que se passa à nossa volta. Também não é distância, nem é proximidade
excessiva, pois ambas deformam, uma por defeito, outra por excesso, o que se vê;
desprendimento é a justa distância, a distância correcta, de focagem, do coração
e do espírito, em relação aos outros e aos acontecimentos; é uma postura de rectidão, correcção,
respeito, atenção, deferência, boa educação. É afecção. Permite afeição?
O desprendimento é o oposto de ausência, é
presença, exposição, devoção.
O desprendimento é presença de espírito. Um
espírito presente é atento e contudo é
despreocupado. A presença de espírito é tranquilidade, pura atenção. O
desprendimento é um estado de graça, de serena disponibilidade para receber. A
inquietude, pelo contrário, pressente, espera, receia, anseia. Refiro-me a inquietude e não a irrequietude, que é buliço, alvoroço sim, mas sem angústia. Quem
espera inquieto, exige, desespera. O desprendimento, pelo contrário, espera
serenamente, sem exigir, é confiança, pura expectativa, eterno presente. E a esperança,
não exclui incerteza. E esta, difere de insegurança. Quem tem esperança,
confia, vive com “cara de Páscoa”, leveza de espírito e de ser, coração solto,
mesmo perante a incerteza... porque há-de ser o que Deus quiser! Pessimismo, fatalismo
é outra coisa: é quando se conta com o pior, quando se perdeu a esperança. Optimismo
é esperar estulta, leviana e incautamente sempre o melhor.
Desprendimento é justo-meio, é viver
esperançosamente exposto aos acontecimentos, viver, confiante e serenamente consagrado
ao presente, ao constante devir. O desprendimento é muito difícil, tão difícil
quanto orar sinceramente “seja feita a
Tua vontade, assim na terra como no Céu”. Quem, em consciência, pode afirmar querer mesmo o que Deus quiser?
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