Saturday 5 July 2014

Correr




Correr é uma canseira,
 Não tem pés nem cabeça.
Corro por tudo,
Corro para nada!

Correr é prosaico, chão, corrente.
Corro porque sim,
Sem quê, nem para quê,
Sem interesse e sem meta!
Correr não leva a lado nenhum...
Correr sem razão de ser,
Lembra-me a filosofia!

Quem corre por gosto, descansa,
Seus tormentos espanta!
Pousa o olhar na paisagem, solta os pensamentos...
Mas correr por gosto também cansa
E assim se abranda a marcha!...
Quem corre, arfa,
Para, inspira, respira!...

A correr, acerto o passo
E contas, comigo!
Olho para trás, detenho-me,
Erro, corrijo o curso, descaminho-me.
Quem corre, segue, não persegue!...

Vou sem mapa, sem curso,
 É que a corrida, é o caminho!
É uma correria pela vida afora,
Repetida e sem fim,
Fita no perpétuo horizonte
Que mudamente se altera.
Quem corre, não degenera!...

Quem corre, perde tempo...
Quem corre, nem tem tempo,
Nem sequer sabe do tempo!
Quem corre, discorre,
Esquece-se de si!...
Quem corre é dono de si,
E senão, é  apenas dono do espaço
E do cão, ladino, a seu lado!

O meu tempo é outro:
É o mau tempo, é o bom tempo,
Frio, ou ardente,
O das estações da vida,
Da madrugada ao ocaso,
Das chuvas, geadas, neves,
As poças, hoje cristalinas,
amanhã turvas, depois geladas!...

O meu tempo é  o da paisagem,
Desnuda, nos rigores do inverno,
Que se muda e se veste,
De opulência e fartura
Com os calores do ano!
É o sol excelso, aberto,
Cintilando na basta coroa das árvores.

Ando nas nuvens, vivo na lua!...
A floresta, é o tecto dos meus pensamentos,
Corro com pés bem assentes na terra,
E o ritmo dos meus passos
Dita a cadência da minha escrita,
No trilho que me guia.

A minha música vem dos pássaros,
Da água na fonte, do regato e do vento,
 Vem da sinfonia de papoilas,
Centáureas e margaridas
Acenando entre as espigas douradas das searas!
É a harmonia do balir das ovelhas,
E mugir das vacas nos pastios,
Do reguingar das cabras entre os arbustos,
Dos motores, algures no bosque, dos lenhadores.

Quero correr, não quero crescer!
Baloiçar-me, nos toros do caminho,
Atirar pinhas ao céu,
Para o cão apanhar!

Detemo-nos a mirar
 As lebres silentes
Na erva tenra dos atalhos,
Os esquilos nos abetos,
Olhando os cervos elegantes,
Galgando as moitas à desfilada!

Receio, porém, os javalis
Que felizmente,
Até ver, nunca vi!...
Escuto os pica-paus,
Estremeço, com o súbito esvoaçar
Em surdina, das aves de rapina,
Com as gralhas e corvos
 Importunos que agitam as silvas!

Subo a correr,
Desço a passear...
Quem corre, tem vagar,
Vai de cabeça no ar,
Sabe das fragrâncias dos lugares,
Dá com os morangos silvestres
Ocultos entre folhas rasteiras e tenras,
Na orla dos caminhos.

Quem corre, vai vagabundo
 De mãos a abanar,
Desfruta da abastança
Dos frutos maduros,
Das amoras gordas e framboesas coradas.

Quero correr, repousar,
Demora-me a cismar,
A escrever, a desenhar,
 À beber, à sombra viçosa
 Das cerejeiras carregadas, 
Colher pêssegos
E uvas bravas,
Que crescem pelos muros de xisto
De vinhas abandonadas...
Depois maçãs, peras
Nozes, castanhas
e quem sabe, cogumelos!...

E como tudo o que passa,
Eu apenas perduro, subsisto,
Correr nem é comigo...
Porque afinal quem corre,
Não sou eu... é o tempo!