Saturday 17 December 2016

Sem Palavras

Estou quase muda.
Não tenho palavras, não acabo as frases de tanto estupor e tristeza, engolindo em seco...
Restam-me imagens vivas, à desfilada no pensamento.
Amiguinho de sempre, contigo, nunca foi preciso crescer!
Garoto de alma gigante, riso largo, voz rouca, olhos pândegos, a piscar.
Companheiro de paródias, passeios, pedaladas, risotas, chacotas, ceias, mergulhos e gelados.
Conversas e desconversas a desoras, a pasmar, a ouvir a ronca e as gaivotas, a ver as ondas, as traineiras e estrelas a cintilar no mar.
Ainda ontem falámos de ti, e eu a pensar que já era tempo de cá voltares... com tanto tempo sem te ver, vale a certeza dum sempre que faz uma amizade.
E afinal, apeaste-te sem dar por isso e juntaste-te aos bons, como tu, nesse solarengo infinito, esse céu espraiado que ultrapassa os anos, séculos e milénios.
Nesta viagem só de ida em que embarcaste, levas um bocadinho de mim.
Fica uma melancolia incomensurável, ficam estes laços invisíveis mas indeléveis, daqui até ao paraíso!



Tuesday 12 January 2016

Morgengrauen - Amanhecer em Sol Menor




Com o roupão pingão e as pantufas felpudas, só me falta o gorro pendente na nuca e a vela na mão, para alumiar esta hora parda...
Tenho o olhar enevoado, os pensamentos ainda nem são, repousam nas mantas, pingam incertos, miúdos, como as gotas de orvalho na janela.

Não me falem, segredem-me e se for preciso!... Não estraguem esta brandura!

O cão poupado, bem sabe: apena pisca os olhos, estendido diante da vidraça do corredor. É deferente, tem vagar! Afinal, quanto menos alarido, maior a economia e a poesia! Quem diria... Dispensa-se mais filosofia.

Abro a janela, miro o Leste lusco-fusco, arejo o quarto com Janeiro. O céu cinzento é raiado dos ramos despidos da nogueira, as faias altaneiras talvez varram as nuvens.... Oxalá, não demais, não vá o sol radioso insultar a neblina!

O ar frio atravessa a roupa. Lá fora faz inverno, piam os corvos; se fosse na costa, eram gaivotas...

Sem grande destino, rojo os pezinhos de lã pelo crepúsculo da casa, sorvendo lentamente o café da chávena almoçadeira. Lá saio para o terraço, tiro a temperatura ao dia, trago um golo de vento, mirando uma rosa que floresce agora!

Recolho à brancura matinal da sala, onde ainda perdura, viçoso, o abeto tardiamente erguido; e fica. Em Janeiro, também é Natal!... Não enquanto os homens quiserem – sabe-se lá, quem eles são... – é Natal porque nestas manhãs – nossas - renascem laços ocultos e perpétuos que atravessam terras, oceanos, até aos confins do mundo!



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Morgengrauen, em alemão, traduz-se por alvorada.... Literalmente, porém, quer dizer “cinzento matinal” e esta pequena diferença é essencial porque subtrai o sol português, compreensivelmente implícito na palavra “alvorada” e em todos os seus sinónimos (amanhecer, alba, alvor, etc.). Afinal, sem sol também há dia. A língua ideal é composta de muitos idiomas.