Thursday 18 May 2023

Banzão

Sopra na floresta,

O manso vento

De dias idos.

 

Vem de longe,

Das matas do Banzão;

Demora-se nas árvores

Do caminho e do passado,

Até vir aqui pousar,

Contar contos

E murmurar.

 

Este arvoredo é outro.

Alto, como catedrais,

A filigrana verde,

Sob céus iridescentes,

Nele mora agora,

O manso alento

De dias queridos.

 

Os vis não têm nome.

São gente pequena que

Nos confisca o ser,

E que, indigna da

Branda palavra falecer,

Teima matar-se para nós,

Até antes de morrer!

Seja! Que se vão!

Deles não reza a floresta e

Já não quero saber.

 

Valem-nos as pessoas que,

De tão grandes,

Ao falecer,

Se dissolvem no universo

E nos abraçam para sempre,

Pois nunca hão de perecer!


Sopram elas

O ameno vento

De dias idos,

Que vem de longe,

Sossegar

E contar histórias de embalar,

Dos pinhais mansos,

Do Banzão e Azeitão!

Wednesday 17 May 2023

Luto

O luto não é posse,

Ninguém é mais digno

Dele que qualquer outrem.

 

Luto não é fleuma, ou apatia,

Não se oculta, 

Não se reserva,

Não é só para alguns;

O luto não é senhor de seu nariz,

Não é cara de pau,

Não fecha portas,

Nem rostos,

Nem corações,

Muito menos emoções!

 

O luto é como a Comunhão:

É ter a alma pura e grande,

Consolação e salvação,

Não para santos e beatos,

Mas para os tristes, sós,

Sem rumo e amargurados.

 

Luto é partilha e encontro

Entre presentes e ausentes,

Próximos e distantes e

Todos os que perdem

Um bocadinho de si,

Na vida que se esfuma,

Na derradeira despedida.

 

Luto é socorro, conforto,

Um leito onde se deita

A alma atada

Que senão, engole em seco,

E que assim se ergue,

Deferente,

Em gentil reverência,

Perante a grandeza de quem se perde,

Na eternidade

Que hoje se enceta!

Monday 15 May 2023

A Deus, Tio!

Aqui de longe,
Cada vez que falávamos,
Eu notava:
A vida ia-se esvaindo,
Nos dias vagos,
A passos incertos,
A voz ia-se quebrando,
Nas frases que ficavam a meio!
 
Chegada de longe,
Encontrei-o preso ao leito,
No quarto de tectos altos.
Num escasso fulgor,
Dos olhos semicerrados,
Sob o cabelo branco e farto,
De sonhos já suspensos,
Disse-me, como sempre:
“Olá, miúda!”
E eu: “Olá, Miúdo!...”
E, claro, que me copiara o
Cabelo e penteado!
 
E ali, daquele estranho trono,
Ainda zombou,
Connosco ali sentados,
Que o olhávamos,
De mãos e alma atados...
 
Mas o tempo impiedoso,
No escasso espaço
Duma tarde,
Sem dizer nada,
Sumia-lhe a olhos vistos, o ser...
O sorriso esmoreceu
E, mirrando-se-lhe o olhar,
Entrou, numa espécie de sopor,
Deixando a meio, os gestos lentos...
Meio acordado,
Dormitava agitado.
Depois lá serenou,
Como que vogando embalado,
No oscilar dum barco
Que se afasta da margem...
 
Fez-se tarde,
Na manhã seguinte,
Dentro do quarto alto.
O dia avançou
E, fora uns sopros,
E palavras avulsas,
Em inglês (!!)
Às vezes um esgar,
Quem sabe,
Se buscando ar...
Calou-se, de vez, a voz,
Foi-se o senso e o siso.
 
Ficou a respirar,
A existir sem alento,
Soltando-se, aos poucos,
No sono imenso,
Daquelas réstias
De toda uma vida,
Agora, presa por um fio,
À mão que se lhe estende
Da beira da cama,
No afago amigo
De quem ama,
E clama
Num soluço e grito surdos!
 
Fez-se sombra.
De lá de fora,
O sol que entra pela janela
Já não aquenta;
O vento não refresca o pensamento,
Nem empoa velas rotas;
E tão pouco a água lenta,
Move os moinhos 
Rachados do tempo.
 
A Deus Tio!
A Deus, Miúdo!
Cá ficas connosco!
 
Todos te choram porque
Ao contrário de muitos,
Trazias em ti,
Sempre, o cachopo
Da infância!
 
E se Deus não existisse,
Faria uma excepção,
Para te receber
Quando partisses!

 

Sunday 15 January 2023

 

Respeitinho...

 

Diz-se que é muito bonito...

Será?

...Bonitinho, talvez!

 

Respeitinho parece respeito.

Mas à lupa, essas são 

Duas coisas muito diferentes.

 

Para já, respeitinho exige-se,

E assim, começa mal...

 

Respeito é outra louça.

É muito mais difícil,

Não é coisa que se exija,

Merece-se... ou não!

Tem de se ser digno dele,

Não é para qualquer um,

É distinção a conquistar!

 

E já agora,

Respeito não é um direito.

Fazer-se respeitar, é um dever

Que quem tem o poder,

Tem de cuidar!

 

Já o tal de respeitinho,

É o despeito de quem

Não alcança respeito!

Respeitinho é muito feio.

É o seguro com que se comprazem os fracos,

Déspotas, mestres

Pais (ou até mães), abusivos e tiranos!

 

Respeitinho é frouxo princípio,

É pouco edificante;

É pouca-vergonha,

Moral de segunda escolha,

Falta de educação,

Até rima com mesquinho!

 

Quem exige respeitinho,

Desrespeita e desrespeita-se vilmente;

Consegue o que quer, claro...

Mas colhe-o à força,

É medíocre, torpe,

Contenta-se com pouco!

 

Respeitinho vence-se

De má cara,

A troco de ameaças,

Fantasias e sanções,

Condições,

Humilhações, intimações!

Arrecada-se temor,

Muda discórdia

Paus-mandados,

Servil desdém,

Semeia-se cobardia e mal-estar!

 

Quem se compraz com respeitinho,

Está ciente de que é temido, não respeitado;

Sabe que não tem direito a mais

Mas o que importa é a aparência!

 

Respeitinho é baixo,

Pura cosmética.

Quando muito, é bonitinho,

Para inglês ver, talvez...

Mas bonito, propriamente dito,

De estético, nada tem!

 

Já com respeito,

Valores mais altos se levantam.

Esse, sim, é magnânimo.

Traz felicidade,

Tem estética, beleza intrínseca,

Faz boa figura!

 

Respeito é verdadeiro,

Autêntico,

Produz estima, apreço,

Deferência, mesmo amor!

É ética de nota,

Que se use

Com desenvoltura

De cabeça erguida,

Bonomia

Que veste a índole,

E fica bem a quem a porta!

 

Tuesday 10 January 2023

Palavra!


Abri uma loja nova,

Onde vendo palavras

Para todos os gostos:

Na montra e escaparates,

Só se veem as bonitas...

Mesmo à mão, na gaveta do balcão,

Tenho as de recurso...

Por baixo, no armário,

Pus as feias 

E, verdade seja dita,

Um ou outro palavrão!

 

O palavreado mais vasto, porém,

Está na arca dos chavões!

É para fregueses bem-falantes,

Gente fina,

De falinhas mansas,

Que entra com pezinhos de lã,

E pela calada,

Só para ver e fazer sala.

 

À gente que desdenha, mas quer comprar

Reservo palavras ambíguas a condizer:

Ora mansas, suaves,

Ora, sonantes e ofuscantes,

Inflacionadas e falsas,

Perfeitas para preencher o figurino,

Para sua conversa fiada

E de chacha!

Para esses, tenho até a jeito

Frases gratuitas, já feitas!

 

As aparências iludem e

Assim os fala-baratos,

Levam palavras

Que soam caras,

Dessas que vestem 

E se vendem bem,

Sempre por muito dinheiro!

Ao fim, sorriem com os dentes,

Fazem o choradinho,

E com lágrimas de crocodilo

E como quem não quer a coisa,

Perguntam:

“Qual é o menos que faz?...

...Se eu levar palavras ocas avulso,

Para compor o ramalhete?”

São da laia que avio com desdém e ironia,

E não dou troco pela demasia!

 

Para indecisos e gente de poucas falas,

As palavras de mastigar e ruminar

Vêm mesmo a calhar.

 

A quem prefere

Preto no branco,

Pão-pão, queijo-queijo,

Aconselho, conquanto difíceis,

As palavras cruzadas!

 

Aos tristes, sós, desprovidos, sem voz,

Entrego sem taxa, ao domicílio,

Palavras amigas e de conforto.

 

Já as palavras de honra,

De ouro, prata, sem preço,

Estão no cofre,

E não são para qualquer um!

 

Enfim, palavras para quê?...

Era tudo o que tinha a dizer!

Caso queira encomendar,

Basta deixar uma palavrinha

Que eu avio!

Palavra!

Monday 24 October 2022

O que Diz o Silêncio

 Será ouvir,

Ou surdo,

O calar?

 

Será empatia,

Terapia,

Ou apatia,

O ficar quedo?

 

Serão falar,

Ou antes mudas,

As palavras vácuas e

Consoantes,

Quais quintas musicais?

 

É que a conversa descartável,

Fiada, de consenso... ou sem senso,

É um alívio;

Não aquenta, nem arrefenta,

Cai sempre bem:

Que o céu é azul,

Que o mar tem ondas,

E a areia, grãos,

É mesmo assim,

É sempre verdade!

 

Fora isso...

Que oculta a máscara

Parda do silêncio?...

Receio?

Prudência?

Ou sentença?!

 

Quem cala,

Contenta-se.

Não se consente,

Não se define,

Não sabe bem,

Não se sabe se sente.

Trai, fere,

Grita pela calada,

Nada se lhe pode apontar,

E lá de vertical... nada tem!

Sunday 21 August 2022

Sem Nome

Sem Nome


Dizem eles „nós“,

Já não nos incluem;

Somos agora 

Outros quaisquer.

Passámos a estranhos,

Estrangeiros, 

Forasteiros,

Nem vistos, nem achados,

Sem voto na matéria!


Ou a minha terra de outrora

mudou de casa,

Ou esta de terra…

Portanto,

Desnasço agora,

Descaso-me,

Desterro-me,

Da terra no mar 

Que se foi ao ar.


Da casa de outrora,

Fecharam-me a porta na cara

E, de portadas cerradas,

Ela se aparta, qual jangada

À deriva

No tempo e espaço…

Fica pouso, 

Paragem

Mas não morada;

 É passagem

Evanescente

Que areias falsas, movediças

Furtam pela calada.


De tantas Marias na terra

Levaram-me até a graça!

Arranjaram outra

A quem servem minhas vestes,

Uma de melhor nota,

De falas mansas

Que se pôs a jeito,

Sem provocar

dores de parto

Ali pronta para troca!


Passem eles bem.

Eu cá dei à sola e

De âmago convulso

coração atado

E alma às costas,

Mudei de porto e apelido.


Entre nós, aqui,

Valhem-me os meus,

Suas mãos, corações,

Suas asas e velas,

Remando, rimando 

Comigo,

Pois que me acolhem 

De braços abertos

E sem condições,

Em seu seguro abrigo!