Thursday 17 October 2013

Barco


É um desconhecido de longa data, aquele soberbo barco branco, deserto e quedo, ancorado sozinho no cais! 
Quem vigia, detrás daquelas janelas enfileiradas, quando o baarco assim anui - sisudo, mudo - balouçando na água?...
É pródiga a paisagem, mas é suspeita a quietude do rio espelhado que reflecte aquele estranho espectro contra o leito de colinas, lavradas de vinhas douradas... 
Desconfio sempre que tumultos incógnitos revolvem as profundezas turvas de águas lentas e lisas!
De onde surge, para onde se aparta e viaja o navio vazio? Quem governa este barco silencioso, sem nome e sem passageiros, sem horário, sem destino, ora presente, ora ausente, que ninguém vê arribar, nem sair?...

Saturday 12 October 2013

Mirar as Marés


Vamos ver o mar, ensurdecer ao ribombar das ondas, ao piar das gaivotas, deixando pegadas fundas das botas, detrás de nós, na areia molhada! 
Vamos mirar as marés e selar esta amizade inabalável, atravessando mudamente os estrondos da tempestade! 
Vamos, vamos fitar os torvelinhos de espuma branca ao nevoeiro de Fevereiro, olhar, apreensivos, as traineiras desgovernadas na barra, os plácidos os pescadores sentados nos rochedos, sob o farol altivo!
 Escondida na névoa, a ronca ruge, insistente, cansada, avisando o mar e inquietando a terra... A praia de inverno é nossa e dos vultos que ao longe, avançam errantes curvados ao vento. Não sei onde moram as gaivotas!...

Wednesday 9 October 2013

Encantamento


Um encantamento não é feitiço, nem paixão. Um encantamento não tem sofrimento, não tem desespero, nem vertigem, nem abismo. É sem gravidade, não é excessivo, não faz sofrer. Um encantamento tem música, é bailado, dá vida, não morre, apenas se quebra. E se se quebra, apenas adormecemos.
A paixão cega. O encantamento ilumina, não persegue. Um encantamento, ao invés da paixão, não se alimenta. Mas a paixão pode ter o seu encanto.
Se pintasse um encantamento, pintava um despertar feliz e sem alarme. Milhares de perguntas, muitos sóis e luas… um universo cintilante. Um rapazinho ao sol, como o de Miró. Ou a feira, em noite de S. João, à beira-mar, um menino com uma mão-cheia de balões, no meio dos carrosséis, fogo-de-artifício, estrelas cadentes desferindo os céus amenos do verão. Ondas de prata, rebentando ao longe nas areias lisas, o feixe alvo, do farol altivo, cruzando mudo o firmamento, brilhando sobre as vagas cheias!