Wednesday 19 June 2024

 

Querida Tia,

 


Sem poder estender-lhe a mão,

Aqui de longe, a vi partir,

De repente, porém devagar.

Apagou-se a chama,

Subtraiu-se, pudera,

À dor que a consumia!

 

Guardo recordações

De pequena, tão vivas,

Grandes e antigas

Como o sol:

 

O prédio de persianas azuis

Na rua sossegada,

A janela aberta

Para o arvoredo,

Também benigno

E cintilante da Gulbenkian.

 

A maciez do quarto

Forrado de livros amigos,

Os lanches primorosos,

O eco do pausado relógio de pêndulo,

Indiferente ao bulício de Lisboa.

 

O seu humor insuspeito,

Tácito, até para consigo,

Escapava aos apressados.

 

Dias alegres,

Dançando, até,

Palmilhando as ruas cheias,

Cavaqueira à lareira,

No Outono de Dublin.

 

E mais que tudo,

Ainda sinto de há pouco,

De quando não sabia dum cais,

A sua mão, quase berço,

Porto certo e amigo

Que não quero largar...