Querida Tia,
Sem poder estender-lhe a mão,
Aqui de longe, a vi partir,
De repente, porém devagar.
Apagou-se a chama,
Subtraiu-se, pudera,
À dor que a consumia!
Guardo recordações
De pequena, tão vivas,
Grandes e antigas
Como o sol:
O prédio de persianas azuis
Na rua sossegada,
A janela aberta
Para o arvoredo,
Também benigno
E cintilante da Gulbenkian.
A maciez do quarto
Forrado de livros amigos,
Os lanches primorosos,
O eco do pausado relógio de pêndulo,
Indiferente ao bulício de Lisboa.
O seu humor insuspeito,
Tácito, até para consigo,
Escapava aos apressados.
Dias alegres,
Dançando, até,
Palmilhando as ruas cheias,
Cavaqueira à lareira,
No Outono de Dublin.
E mais que tudo,
Ainda sinto de há pouco,
De quando não sabia dum cais,
A sua mão, quase berço,
Porto certo e amigo
Que não quero largar...