Friday 20 September 2013

Robertos


Na Figueira-da-Foz da minha infância, havia Robertos. Dois ou três homens insignificantes, silenciosos e sem rosto, surgiam do nada, com um biombo debaixo do braço, e ocultos detrás do seu pano róseo desbotado, armavam-no no picadeiro, na esplanada, ou na areia da praia.
Ranchos de crianças acorriam, também não se sabe de onde e sentavam-se, expectantes, em redor do teatro. A mim interessava-me sempre mais espiar os actores nos bastidores. Mas os adultos mandavam-me sentar, e ninguém se importava com a verdadeira história, a história insuspeita dos actores escondidos que nos iludiam detrás do biombo fechado.
Os fantoches eram figuras de rosto encarquilhado e queixo pontiagudo, de vozes barulhentas e assanhadas; a peça consistia de brados, insultos e acabava invariavelmente à bofetada. A assistência desinteressada, muda, não ria, nem sorria, quando muito murmurava. Crianças molengas, mordiscavam pirolitos ou pinhoadas que amoleciam ao sol estival, como se não assistissem a nada.
O pano caía, pondo fim às injúrias e estaladas; reinava então um sossego constrangido. Um homem taciturno, engelhado como os fantoches, vinha recolher dinheiro com um chapéu coçado. Magro, triste, sisudo, acenava com a cabeça e murmurava um agradecimento, a voz enrouquecida nas quezílias da peça.
As mães apressadas, quase aflitas, chamavam pelos filhos, como se receassem que as figuras magras e miseráveis, contagiassem os miúdos com alguma maleita ou os arrecadassem nas maletas com os fantoches. 
 Inamovível, fincava o olhar no verdadeiro momento mágico do espectáculo: os homens franzinos, quase inexistentes que lentamente, detrás do biombo, se desvaneciam nas ondas de calor de Agosto.

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